Jan 23, 2024 | Comentários
Negócios têm prejuízos com compras canceladas por má-fé ou cartão clonado
Tentando impulsionar seus negócios, muitas vezes ainda em fase de estruturação, micro empreendedores individuais (MEIs) e micro e pequenas empresas precisam lidar ainda com obstáculos que vão além das dificuldades de se colocar um empreendimento de pé: a ação de golpistas. Os pequenos empreendedores são alvo de diversos tipos de fraude — como as que simulam cobranças e outras em que os criminosos se passam até pelo governo no processo de abertura das empresas (leia mais abaixo) —, mas uma modalidade que vem acumulando vítimas é que a envolve a contestação das compras pelos clientes.
Funciona assim: depois que o produto é entregue, o consumidor entra em contato com a instituição financeira dizendo que não reconhece a compra. Segundo vítimas e advogados que acompanham casos do tipo, as intermediadoras de pagamento entram em contato com as empresas para ouvir o outro lado, mas, em geral, dão razão aos clientes, e o prejuízo fica para o pequeno negócio.
A ação acontece tanto por má-fé do próprio consumidor ou por atuação de fraudadores usando cartões clonados. Nesses casos, o prejuízo tende a ser sentido de maneira mais intensa pelas micro e pequenas empresas do que em outros golpes, principalmente quando observada a proporção das perdas frente ao faturamento do negócio.
É o que aponta o empresário Pedro Albuquerque, dono de uma marca que vende lareiras elétricas em plataformas de e-commerce. Em pouco mais de três anos de atuação, ele já foi vítima de seis fraudes do gênero, com prejuízos que passam de R$ 5 mil. No caso mais recente, foram perdidos R$ 900.
— Um suposto cliente comprou a lareira e depois fez uma reclamação como se não tivesse recebido o produto. A plataforma deu razão a ele e me deixou no prejuízo — conta: — O dano para gente que é pequeno é muito maior do que uma grande marca. O risco do pagamento acaba ficando todo com a gente. Em 2021, quando a empresa tinha um ano, eu sofri o primeiro golpe. A empresa ainda estava começando. Foi um impacto imenso.
R$ 5 mil de prejuízo
O advogado Bruno Sion tem notado um aumento no número de casos assim, em diferentes tipos de negócios. Um dos clientes dele é o dono de uma loja on-line que vende moedas virtuais de jogos eletrônicos, como EA FC. O microempreendedor teve um prejuízo de R$ 5 mil após um mesmo cliente contestar uma série de compras feitas com diferentes cartões de crédito.
A Mercado Pago, intermediadora das transações, pediu à empresa uma comprovação de que os produtos foram entregues, mas, segundo o empresário, não aceitou as provas apresentadas pela loja.
Em nota, a empresa informou que está em andamento uma negociação com a operadora do cartão do comprador , com prazo de resolução de até 140 dias, e que “assim que finalizada a negociação, o cliente será informado”.
“No caso do Mercado Pago, quando uma compra é contestada, o dinheiro do pagamento é retido até que o problema seja resolvido, e o Mercado Pago gerencia o caso junto com a instituição emissora do cartão", completa a empresa.
Previsão contratual
Segundo Sion, em geral as empresas de pagamento alegam a previsão contratual do chamado “chargerback”, o cancelamento de uma compra on-line pelo não reconhecimento do titular do cartão, ou se a transação não obedecer às regulamentações previstas nos contratos editados pelas administradoras de cartão.
O argumento, no entanto, tem sido anulado pela Justiça. Em 2022, a Décima Quarta Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Rio (TJ-RJ) afastou a alegação numa ação de um supermercado contra uma empresa de pagamentos.
"Demais disso, a cláusula de chargeback não prepondera sobre os princípios da boa-fé objetiva, da confiança e da segurança que se espera nas relações contratuais. Fato é que, após aprovada a transação, o estabelecimento comercial acredita que todas as questões de segurança foram analisadas pela operadora do cartão de crédito e pela intermediadora, gerando a firme expectativa de receber o valor que lhe é devido. Portanto, espera-se de empresas de grande porte, como é o caso das apelantes, a garantia de segurança das operações financeiras de seus parceiros comerciais, o que não se viu na espécie", escreveu o desembargador Luiz Eduardo Cavalcanti Canabarro.
Para prevenir, contato com o cliente e atenção aos contratos
Para se prevenir de novos prejuízos, a saída encontrada por Albuquerque, da marca de lareiras, tem sido manter contato com o cliente até a confirmação da entrega:
— Falo pelo próprio chat das plataformas onde vendo os produtos, porque se acontecer algo, tenho uma comprovação mais robusta. É uma forma de me precaver.
A estratégia é endossada pelo professor da Escola de Negócios (IAG) da PUC-Rio Marcos Caiado. Ele observa que isso pode auxiliar o empresário na hora de justificar junto à operadora a má-fé do suposto cliente em caso de contestação indevida.
— Para minimizar os golpes, recomendo que se verifique a identidade dos compradores antes do envio da mercadoria, especialmente em transações de alto valor. Isso pode ser feito por meio de um contato pessoal após a venda, e antes do envio da mercadoria — orienta: — Nessa oportunidade, o comerciante pode pedir alguns documentos que reforcem segurança da venda, como comprovante de residência em nome do cliente.
Treinamento
Caiado aconselha ainda que a equipe da empresa seja treinada para reconhecer sinais de possíveis fraudes, estando atenta a padrões incomuns de compra, como múltiplas transações de alto valor em um curto período de tempo, o que pode indicar atividade fraudulenta.
— Por fim, embora não seja barato, é possível também investir em um seguro contra fraudes para se proteger contra perdas financeiras em caso de golpes bem-sucedidos — diz.
Para quem é vítima, o primeiro passo deve ser registrar o caso na polícia e buscar uma solução administrativa junto à empresa intermediadora do pagamento. Sem sucesso, o caminho é a Justiça, como explica o professor de direito da FGV Fernando Eberlin.
Ele explica ainda que, no caso do cliente agindo de má-fé, a relação que existe entre a empresa e o cliente é de consumo. Desta forma, o direito dele de contestar a comprar não é garantido, porque a boa-fé precisa ser dos dois lados.
— Já em relação ao golpe, é uma outra discussão, porque você não está falando de um consumidor do outro lado. E aí é como uma pessoa física que sofre um golpe — afirma: — Para tentar se precaver, esse empreendedor precisa entender os meios de pagamento que ele contratou e entender nos contratos quais são as garantias que ele têm. E se essa relação pode ser lida como uma relação de consumo. Se houver uma expectativa de segurança, essa expectativa precisa ser honrada.
Conheça outros golpes
Fonte: Portal Fenacon - Extra - Leticia Lopes — Rio de Janeiro | Sebrae