Jul 06, 2022 | Comentários
Relatório defende que a adoção da aprendizagem híbrida exige que educadores e estudantes tenham acesso irrestrito à internet de banda larga e computadores adequados
A aprendizagem híbrida é um conceito ainda em construção. Segundo o estudo “Aprendizagem Híbrida? Orientações para regulamentação e adoção com qualidade, equidade e inclusão“, há muitas definições no Brasil e no mundo para aprendizagem híbrida, e muitas aplicações, abordagens e teorias são contraditórias.
O levantamento foi desenvolvido a partir de uma colaboração entre D³e (Dados para um Debate Democrático), o TLTL (Transformative Learning Technologies Lab) da Universidade de Columbia (Estados Unidos), a Fundação Telefônica e o Lemann Center for Entrepreneurship and Educational Innovation in Brazil, da Universidade de Stanford (Estados Unidos). Nele, são apresentadas experiências internacionais de aprendizagem híbrida, os desafios para sua aplicação e recomendações que podem ajudar a formular políticas públicas para a implantação dessa modalidade no país.
Entre as questões levantadas pelo documento, está o problema da infraestrutura básica para sua efetiva adoção. Neste ponto, o estudo ressalta que, embora algumas práticas de aprendizagem híbrida possam ocorrer sem mediação de tecnologias digitais, as estratégias brasileiras em curso e as ações governamentais atuais sugerem que ambientes digitais serão a mediação principal da abordagem híbrida no cotidiano educacional.
Investimentos em infraestrutura
Os autores afirmam que “a digitalização depende de infraestrutura, ou seja, são necessárias ações efetivas e mensuráveis de fornecimento de equipamentos, conexão e recursos de software e hardware para ambientes educacionais.” Portanto, “prover infraestrutura adequada para práticas com tecnologias digitais é fundamental para a implementação eficaz de ações de aprendizagem híbrida”. O trabalho também ressalta ser essencial que instituições educacionais, educadores e estudantes tenham acesso irrestrito a dois elementos fundamentais : computador e conexão permanente à internet.
Para demonstrar a dimensão do problema colocado, o relatório apresenta um levantamento realizado em 2021 pelo BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que aponta: no Brasil, o celular é o equipamento mais utilizado pelos estudantes (84%), mas cerca de 40% deles dividem esse equipamento com outra pessoa. O estudo defende que o celular não é um dispositivo adequado para realizar atividades educacionais no modelo remoto: “equipamentos de pouco poder de processamento ou com telas pequenas e sem teclados — como celulares e tablets — podem ser úteis para pequenas tarefas (leituras rápidas, comunicações curtas e produção de vídeos e fotos). Entretanto, a criação e o acompanhamento de atividades complexas (como matemática ou redação) demandam o uso de computador.”
Alto custo
Por conta da pandemia, explica o documento, o poder público buscou soluções rápidas e baratas para possibilitar a educação não presencial. Isso é compreensível em um cenário emergencial. No entanto, os pesquisadores indicam que, para a formulação de políticas públicas de aprendizagem híbrida, os gestores públicos precisam entender as implicações práticas da escolha por tablets e celulares em detrimento de computadores. “A seleção entre cada modelo de dispositivo terá implicações diretas nas atividades que poderão ser executadas a distância”.
A estrutura adequada de conectividade e dispositivos acende um alerta para aquilo que o estudo chama de ilusão sobre o custo supostamente baixo da aprendizagem híbrida. Eles utilizam outra pesquisa do BID, no qual os autores defendem que “para garantir equidade e qualidade em programas de educação remota ou semipresencial, é necessário treinamento e suporte para professores e alunos, além de muitos investimentos em infraestrutura e conectividade.” Portanto, em casos como o brasileiro, em que a infraestrutura é atualmente insuficiente, programas efetivos de aprendizagem híbrida tendem a ser mais caros do que os de educação presencial.
Mais do que a formação do professor
Ao apresentar todos esses desafios, o relatório mostra que a adoção da aprendizagem híbrida não depende apenas de decisões das escolas ou da formação do professor para o uso de tecnologias digitais.
Em tempos de LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais), não deve ser deixada de lado a proteção dos dados de crianças, adolescentes e trabalhadores da educação. Em maior ou menor grau, as ferramentas digitais adotadas em escolas e secretarias são desenvolvidas por empresas e, por isso, os autores do estudo também argumentam que é necessário estabelecer regras e contratos que orientem o setor público e as autoridades sobre o cumprimento das obrigações legais com a infância e juventude de forma transparente e auditável, garantindo o respeito à privacidade. Uma pesquisa da ONG Humans Rights Watch alertou para esse problema existente em plataformas usadas durante o período de aulas remotas.
A formulação e a aplicação de ensino mediado por ambientes virtuais depende de decisões metodológicas e de investimento que estão além dos muros das escolas. E atender a todos esses pontos é algo que só uma política pública adequada conseguirá proporcionar.
Fonte: Portal Porvir - Cleyton Boson