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Literatura contemporânea é uma forma de aproximar estudantes da própria realidade

Jun 01, 2022 | Comentários

A escola literária que carrega consigo aspectos do cotidiano pode ser uma ferramenta para que estudantes desenvolvam habilidades como pensamento crítico e analítico e criem conexões com a própria realidade

A “Ilíada”, de Homero, é um poema épico que narra os últimos acontecimentos da Guerra de Troia. Em mais de 15 mil versos, o texto traz uma representação de um período histórico quando se pensa na literatura. Elevado à posição de clássico literário, é considerado fundamental para entender a cultura. 

Mas e quanto a refletir sobre a atualidade, como a literatura se porta? As muitas escolas literárias dão uma pista. Entre elas, a literatura contemporânea. 

Fruto de um percurso que valoriza temas e abordagens cotidianas, a literatura contemporânea explora uma linguagem mais fluida. Em poucas palavras, é possível dizer que se trata de uma literatura que reflete os tempos atuais. 

Com todas as mudanças previstas nos currículos escolares, incluindo aquelas no Novo Ensino Médio, abrir espaço para leituras que dialoguem com o dia a dia e as realidades dos estudantes é cada vez mais importante. 

Larissa Bagestom, professora de redação e língua portuguesa no Colégio Santa Úrsula, em Maceió (AL), usa esta estratégia para poder trabalhar o engajamento da turma na formação leitora. Para ela, ter contato com textos literários que conversam com a rotina e vida dos estudantes é elemento central para fazer com que eles interajam mais com o conteúdo. 

“A literatura contemporânea, se comparada a outros movimentos literários, torna-se um pouco mais dinâmica, mais rápida e o aluno se sente mais confortável com a leitura”, conta. 

Em “O Auto da Compadecida”, o escritor Ariano Suassuna usa uma linguagem que se aproxima de um formato mais oral. Esse fato não escapa despercebido da prática de Larissa, que trabalha o livro com seus estudantes. Além do livro do autor paraibano, ela também usa títulos do moçambicano Mia Couto em sala de aula. 

O incentivo a olhar para a realidade e para o cenário contemporâneo são elementos que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) já apresenta, explica Renan Salermo, especialista pedagógico na Árvore. A valorização do conhecimento, do desenvolvimento de repertório cultural e do pensamento crítico são algumas das habilidades elencadas no documento.

Propor um olhar para o cotidiano e para questões do contemporâneo, a literatura possibilita uma abordagem por meio de temas, afirma Renan. Quando o educador planeja quais obras podem fazer parte do currículo, um caminho é observar quais temáticas gostariam de abordar ao longo do ano. 

Por exemplo, se a intenção é trabalhar aspectos referentes à cidadania e movimentos culturais, as perguntas possíveis para dar início a este planejamento podem ser: Quais autores lidam com tais questões? Como esses temas dialogam com as outras escolas literárias? 

Pensar em temas que são do interesse dos estudantes também é importante, avalia o especialista da Árvore Já que a literatura contemporânea facilita o diálogo entre a vida dos alunos e o que estão lendo, então este fator deve ser levado em consideração no momento de selecionar as obras.

Renan reforça, no entanto, que além das obras que se aproximam do gosto dos alunos, o professor ou a professora devem incluir textos que “escapem do universo conhecido dos estudantes”. Esta é também uma maneira de criar repertório e fazer com que a perspectiva dos alunos se expanda.

Olhando para os clássicos

A obra de Homero se encontra no panteão dos clássicos literários mundiais. Por vezes, principalmente no período do ensino médio e para aqueles que estão se preparando para prestar o vestibular, obras consideradas clássicas podem aparecer com mais frequência. 

O fato de precisarem ler Machado de Assis, por exemplo, não necessariamente exclui a possibilidade de diálogo com obras mais contemporâneas. 

Um caminho possível é buscar diálogos entre o que é clássico e o que é contemporâneo. Renan cita que o movimento de desconstruir e analisar os cânones literários pode ser interessante e pode nutrir nos estudantes maior engajamento. Em outras palavras, trata-se de uma maneira de fazê-los perceber a diferença e também revelar as nuances entre diferentes escolas literárias. 

Um exemplo que ele cita é o filme “AmarElo”, do rapper Emicida, gravado no Theatro Municipal de São Paulo. São dois elementos distintos. No caso do Theatro Municipal, trata-se de um espaço considerado clássico, e, por outro lado, o rap está mais presente no âmbito da oralidade e, por vezes, foi marginalizado socialmente. Como ambas as produções podem conversar? Esse é outro caminho sugerido pelo especialista. 

É difícil incluir literatura contemporânea nos currículos?

A resposta simplificada é que depende da abordagem que se pretende adotar. O escritor e professor de literatura Jô Saulo Diniz, que também atua no Colégio Santa Úrsula, conta que muitas vezes as aulas de literatura, devido aos vestibulares, ficam baseadas em questões históricas nas quais se trabalham contextos de época e nem sempre sobra tempo para olhar para a obra em si. 

Esse entrave, ele explica, tem relação também com o cronograma escolar. “A gente vai adaptando o que é possível dentro do nosso tempo e dependendo da escola e período literário, a gente compara exemplificando com uma obra contemporânea para facilitar o entendimento deles”, diz. 

Jô Saulo considera que as obras contemporâneas são importantes para trabalhar a própria linguagem e que o incentivo à leitura acaba sendo mais eficaz com obras atuais do que com textos mais antigos. 

Pedir para que os estudantes leiam “O Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente, vai demandar uma abordagem diferente daquela usada em “O Auto da Compadecida”, exemplifica Jô. “De toda forma, o comparativo é sempre importante. É fazer com que a literatura contemporânea ajude a entender os clássicos.” 

Abertura para a inclusão de novos títulos

Se, por um lado, a presença de literatura contemporânea é uma forma de ajudar os estudantes a compreenderem seus contextos sociais e de vida, há também uma outra questão que é o “como” esse movimento literário pode aparecer. 

Renan afirma que nem sempre as dificuldades encontradas pelos professores são no nível de incluir, mas sim de encontrar apoio didático que deem conta desta escola literária. “Não vejo uma resistência por parte do professor. Vimos na pandemia com a tecnologia, que o professor consegue se reinventar, mas a grande dificuldade – como acontece em outras práticas – é [ter] um apoio de documentos oficiais”, diz. O especialista sugere que formações voltadas para professores dentro do campo da literatura contemporânea podem ser um bom investimento feito pelas escolas. 

E como inserir a tecnologia nesta conversa?

As formas de ler um livro estão cada vez mais variadas já há algum tempo. Provavelmente a “Ilíada” estava em uma série de pergaminhos, mas em 2022 os celulares, tablets e leitores digitais modificam a relação da leitura entre as pessoas – e até mesmo em como ela aparece na sala de aula.

A professora Larissa aponta que a maioria de seus alunos têm uma espécie de necessidade de estar em ambientes digitais e muitos deles não aderem às versões físicas dos livros. Neste sentido, a tecnologia também pode influenciar no engajamento, devido ao acesso facilitado de diversas obras. 

“A tecnologia é esse recurso que oferece para o estudante a possibilidade de navegar”, pontua Renan. Para ele, a lógica de facilitação que a tecnologia proporciona é semelhante às encontradas em ações corriqueiras como comprar, pagar, escolher determinado filme etc. A adaptatividade e também a proximidade com aquilo que o estudante deseja ler são pontos-chave quando a tecnologia entra na conversa com a literatura contemporânea.

Livros digitais acabam tendo a chance de chegar a mais lugares do que os livros físicos. Jô Saulo cita que o mundo digital facilita a universalidade da literatura à medida que amplifica o acesso a diferentes autores, nacionais e internacionais, e diminui barreiras socioeconômicas, considerando que livros físicos tendem a ser mais caros do que suas versões digitais. 

Fonte: Portal Porvir - Ruam Oliveira

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