Abr 15, 2021 | Comentários
Momentos em grupo apoiam a diversificação de estratégias no ensino remoto, síncrono ou assíncrono, e aqui mostramos como avaliar comportamentos usando a tecnologia
Se quiser ir rápido vá sozinho, se quiser ir longe vá acompanhado. Assim como esse, inúmeros outros provérbios falam sobre a importância de atividades em grupo, princípio que também aplica-se à educação. Se as atividades individuais são importantes para que os alunos conheçam suas próprias capacidades e dificuldades, o trabalho em grupo facilita o aprendizado com o outro e a partilha de conhecimentos, além de favorecer a convivência, inata às pessoas.
Ana Paula Martins, coordenadora pedagógica da Camino School, explica que essas interações precisam ser positivas e saudáveis para que os alunos possam estar em um ambiente prazeroso e, consequentemente, aprender mais e com mais facilidade. Por isso, é importante que professores se atentem ao momento de agrupamento.
“Pensando tanto no lado emocional quanto no pedagógico, as trocas em um grupo são muito ricas. Os alunos trocam opiniões, ideias, entram em contato com outras formas de pensar, e fazem conexões diferentes do que quando estão trabalhando sozinhos”, explica Ana Paula.
Outro ponto importante é entender que os momentos individuais e os coletivos têm objetivos distintos, e as propostas de atividades devem ser pensadas de forma a aproveitar o melhor de cada um deles. Segundo Ana Paula, as atividades individuais são mais direcionadas para que os estudantes entendam quais são suas maiores facilidades e dificuldades e, por isso, essas propostas devem endereçar metas pessoais. Já as atividades em grupo podem ser focadas em objetivos de aprendizagem em comum, como a escolha de um tema principal, por exemplo, para o desenvolvimento de um projeto.
Diversidade de critérios
Para criar essas diretrizes e aplicá-las na prática é necessário dar um passo atrás e conhecer os alunos, tarefa que pode ser desafiadora em um contexto onde professores não tiveram tanto tempo presencial para compreender as características de cada estudante. “Você só consegue estabelecer e cumprir um critério se você conhece o seu aluno de maneira holística, não só o desempenho dele em termos pedagógicos. A fase da sondagem dos estudantes é fundamental para poder realizar os agrupamentos”, aponta Ana Paula.
A coordenadora explica que há uma diversidade de diretrizes que podem ser utilizadas na hora de dividir os alunos em grupos, como emocional, pedagógica e social. O professor pode, por exemplo, dividir os estudantes pensando em trabalhar um objetivo ou habilidade específica de determinada área do conhecimento. Ou, se sua meta é promover a interação, pode juntar aqueles que não conversam tanto. “É importante saber se seus alunos estão dentro do seu objetivo. Então, se você vai trabalhar adição e descobre, na sondagem de matemática, que tem aluno que ainda não reconhece número, então você não pode colocá-lo nesse momento para fazer adição. Vai precisar ter um passo anterior a esse”, reforça.
Existem, ainda, outras possibilidades, como juntar um aluno com dificuldade e outro com mais facilidade para que deem suporte um ao outro, ou dois estudantes mais avançados para que conquistem ainda mais novos aprendizados. “Em uma aula de linguagens, você pode juntar alunos mais e menos fluentes na leitura. Ou dois que tenham mais habilidades para que possam avançar juntos. Ou, no começo do ano letivo, misturar os estudantes ao invés de manter os grupos daqueles que já se conhecem, o que constitui um critério social.”
Julci Rocha, diretora da Redesenho Educacional, também reforça a importância da intencionalidade do professor na hora de dividir os grupos e exemplifica que, se em um primeiro momento ele não conhece muito bem seus estudantes, pode propor que eles escolham seus pares de acordo com suas afinidades, deixando claro que nem sempre será dessa forma. Esse processo ajudará na obtenção de informações sobre os comportamentos individuais.
“O professor pode dividir os alunos, pode deixar que se dividam ou também pode propor que se avaliem de acordo com uma série de habilidades e, a partir disso, se separem em grupos heterogêneos compostos por diferentes saberes”, afirma.
Aproximar, mesmo a distância
Se conhecer os estudantes é fundamental para promover divisões de grupos mais acertadas, como avançar nessa compreensão em um momento de aulas a distância? Para Julci, conhecer os aspectos comportamentais, mais conectados ao socioemocional e habilidades comunicativas, é mais difícil do que fazer diagnósticos pedagógicos, mas não é tarefa impossível. As próprias atividades em grupo podem ajudar os professores a terem clareza sobre as características de cada um.
“O professor precisa ter um conjunto de interações com os estudantes que permita observar esse comportamento. O trabalho em grupo exige que discutam para resolver um problema ou criem alguma coisa, ou seja, ofereçam ao professor indícios de como é o comportamento de cada um. Para chegar nesse nível, muitas vezes é necessário testar: ele pode fazer levantamentos dos objetos de conhecimento, que são as avaliações diagnósticas que os professores já estão acostumados, e a partir disso testar os agrupamentos, criar grupos heterogêneos e perceber essas interações”, explica Julci.
Para a educadora, a ideia é que esse momento seja utilizado para que professores consigam reunir o máximo de informações sobre cada estudante, o que, no momento de retorno às aulas presenciais, vai possibilitar a sugestão de atividades mais colaborativas.
“Eu acredito que na reabertura gradual das escolas, o foco do professor deve ser a interação. Claro que com um distanciamento físico, mas, ainda assim, priorizar a possibilidade de os alunos construírem conhecimento em conjunto e poderem complementar sua experiência, que é muito individual quando estão trabalhando sozinhos.”
O papel da tecnologia
Desde março do ano passado, a grande maioria das reportagens sobre educação trazem a questão do acesso. Isso porque o acesso a internet e equipamentos representa um grande desafio para o Brasil, sobretudo para alunos da rede pública de ensino, o que dificulta o ensino remoto nesse momento de distanciamento social. Julci esclarece, entretanto, que a questão não gira em torno do trabalho em grupo depender de tecnologia para acontecer, mas sim de interação, o que, atualmente, acontece via tecnologia.
“Se não temos o espaço físico já que não podemos nos ver e o aluno não tem um WhatsApp para trocar informações com os colegas, como esse trabalho evolui? Talvez seria muito mais oneroso e pouco eficiente o professor propor algum tipo de estratégia de trabalho em grupo quando os alunos não têm possibilidade de interagir.” Nesses casos, ela sugere atividades de interação com pessoas que os alunos têm contato em casa, como pais, irmãos, tios ou avós.
Responsabilização individual e coletiva
“Cada um faz a sua parte e depois juntamos tudo para entregar ao professor”. Quem nunca fez trabalho em grupo dessa forma? Julci explica, entretanto, que para contornar esse modelo e criar uma proposta interdependente, é importante que os professores pensem em atividades que fujam do “copia e cola”, e que exijam dos estudantes uma discussão para elaborar o produto final.
“Quando o professor constrói um projeto que vai exigir colaboração constante dos estudantes, é importante que o design dessa atividade permita a responsabilização individual e coletiva, ou seja, cada indivíduo da equipe é responsável por uma tarefa para que o grupo faça o seu trabalho. A construção do produto ou a resolução do problema é uma necessidade coletiva, porque não é uma junção das partes. Se cada aluno fez uma pesquisa, por exemplo, o produto final não é a entrega dessas pesquisas, mas algo que use esses conhecimentos e exija a colaboração”, exemplifica.
Nesse processo, a educadora reforça outro ponto importante que é a autorregulação do grupo, isto é, os próprios estudantes cuidam dos trabalhos uns dos outros, já que existe uma relação de interdependência. “Uma das coisas mais poderosas do trabalho em grupo é a capacidade de gestão dos estudantes do seu processo de aprendizagem. O professor deve se preocupar em dar um desafio que efetivamente exija dos alunos responsabilidade compartilhada, decisões significativas e um trabalho interdependente. Os estudantes avaliarem a si mesmos enquanto grupo é algo que gera crescimento. É interessante o professor ir criando essa cultura e comprometendo os alunos a ter esse olhar mais complexo para o que é o trabalho em grupo.”
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Fonte: Portal Porvir - Maria Victória Oliveira