Jul 11, 2018 | Comentários
Em 08 de agosto de 2014, foi publicada a Lei Complementar nº 147/2014 que alterou a Lei Complementar nº 123/2006. Aludida alteração legislativa foi aplaudida, à época, ao passo em que além de ampliar o rol de atividades passíveis de adesão ao Simples Nacional, estabeleceu a dispensa de apresentação das Certidões Negativas de Débitos Tributários, Trabalhistas e Previdenciários para a baixa das sociedades.
Se por um lado a novidade atinente à dispensa de regularidade fiscal, para a baixa das sociedades, foi reconhecida como uma verdadeira evolução em razão da nítida redução do prazo para o encerramento de pessoas jurídicas, por outro lado, aludido avanço legislativo trouxe indubitável ônus, qual seja, o da responsabilidade solidária dos titulares, dos sócios e dos administradores pelos débitos remanescentes (no período de ocorrência dos respectivos fatos geradores) caso o encerramento, da pessoa jurídica, seja realizado sem a apresentação das certidões negativas. Vale dizer, eventual baixa da sociedade não impede posterior cobrança de tributos.
Apesar desse cenário aparentemente favorável, alinhado à pleiteada desburocratização no Brasil e passados quatro anos da publicação da Lei Complementar nº 147/2014, utilizada a título exemplificativo, a regularidade fiscal continua sendo um dos maiores desafios para a sustentabilidade das atividades das pessoas jurídicas, sejam elas com fins lucrativos (sociedades limitadas ou anônimas, por exemplo) ou sem fins lucrativos (Associações, Fundações e Entidades Religiosas).
Vejamos algumas questões práticas que permeiam a regularidade fiscal.
1) Na prática, o que significa ter regularidade fiscal?
De acordo com o Código Tributário Nacional, a Certidão Negativa de Débitos é o documento emitido pela Administração Tributária hábil a comprovar a inexistência de débitos pendentes de quitação perante o Fisco. Documento semelhante e portador dos mesmos efeitos da Certidão Negativa de Débito, é a Certidão Positiva com Efeitos de Negativa correspondente ao documento no qual a Administração Tributária certifica que existem débitos pendentes de quitação, mas que estão com sua exigibilidade suspensa nos moldes de uma das 6 (seis) hipóteses legais previstas no artigo 151, do Código Tributário Nacional, quais sejam: a moratória, o depósito no montante integral do débito, as defesas e os recursos administrativos, a medida liminar em Mandado de Segurança, a medida liminar ou a de tutela antecipada em outras espécies de Ação Judicial ou parcelamento. Vale realçar que a Certidão emitida para a pessoa jurídica é válida para o estabelecimento matriz e suas filiais.
Note-se que o gênero “Certidão Fiscal” comporta 3 (três) espécies, quais sejam, Certidão Positiva de Débitos, Certidão Negativa de Débitos e Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, sendo certo que para fins de regularidade fiscal são aceitas, tão somente, as duas últimas espécies, nos ditames dos artigos 205 e 206 do Código Tributário Nacional.
As Certidões em comento são emitidas pelas 3 (três) esferas de governo (federal, estadual e municipal) e têm validade específica de acordo com o órgão emissor. A título de exemplo, a prova de regularidade fiscal no âmbito federal é efetuada mediante a apresentação de certidão expedida conjuntamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) denominada “Certidão de Débitos relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União” e tem validade de 180 (cento e oitenta) dias, a partir da data de emissão.
2) O que pode ser óbice à emissão da Certidão Negativa de Débitos ou da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa?
O não pagamento de tributos, o pagamento a menor, o pagamento a destempo sem multa e juros, o não cumprimento de obrigações acessórias ou a transmissão destas após o prazo legal (declarações como o ECD - Escrituração Contábil Digital, ECF - Escrituração Contábil Fiscal, emissão de Notas Fiscais).
Este cenário impõe a existência de contabilidade e de área fiscal eficientes e transparentes concatenadas com os controles internos da pessoa jurídica que, por seu turno, são procedimentos cujos objetivos são: proteger os ativos, produzir dados contábeis confiáveis e auxiliar na condução ordenada dos negócios da pessoa jurídica. Em outras palavras, de nada adianta um exímio trabalho contábil e fiscal se os controles internos, da pessoa jurídica, são falhos, uma vez que estes, no final das contas, não traduzirão da realidade.
3) Quais operações, atualmente, exigem regularidade fiscal para as pessoas jurídicas?
Abaixo elencaremos algumas situações que são impactadas ou obstadas pela ausência de regularidade fiscal:
a) Organizações da Sociedade Civil: (OSC’s – Associações, Fundações, Organizações Religiosas e as Sociedades Cooperativas previstas na Lei no 9.867/99): nos termos do Decreto nº 8.726/2016 que regulamentou a Lei nº 13.019/2014, as OSC’s selecionadas para a celebração de Parcerias com o Poder Público (Termo de Colaboração, Termo de Fomento ou Acordo de Cooperação) deverão apresentar, antes da celebração do respectivo Termo, diversos documentos e, dentre eles, a Certidão de Débitos Relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União;
b) Fruição de imunidade - CEBAS - Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social: é a certificação opcional para entidades sem fins lucrativos das áreas de educação (Ministério da Educação), de saúde (Ministério da Saúde) e de assistência social (Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário). Trata-se de requisito para fins de fruição da imunidade de contribuições sociais como, por exemplo, da cota patronal, conforme o disposto na Lei nº 12.101/2009 regulamentada pelo Decreto nº 8.242/2014. A entidade beneficente certificada fará jus à imunidade do pagamento das contribuições de que tratam os artigos 22 e 23 da Lei nº 8.212/91, desde que atenda, cumulativamente, a alguns requisitos e, dentre eles, está a apresentação de Certidão Negativa ou de Certidão Positiva com Efeitos de Negativa de Débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil;
c) Habilitação em licitações: a Lei nº 8.666/93 prevê, em seu artigo 27, rol taxativo de documentos para fins de habilitação em licitações e, dentre eles (inciso IV) está a prova de regularidade fiscal e trabalhista. A documentação relativa à regularidade fiscal, conforme o caso, consistirá em prova de regularidade para com a Fazenda Federal, Estadual e Municipal do domicílio ou da sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei. O SICAF - Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores do governo federal que tem por finalidade cadastrar e habilitar parcialmente os interessados, pessoas físicas ou jurídicas, em participar de licitações realizadas por órgãos/entidades da Administração Pública Federal, bem como acompanhar o desempenho dos fornecedores cadastrados e ampliar as opções de compra do Governo Federal, também exige a apresentação de Certidão de Regularidade Fiscal para fins de cadastramento;
d) Operações com Imóveis: nos termos do artigo 47, da Lei nº 8.212/91 (que dispõe sobre a organização da Seguridade Social), para pessoas jurídicas, é exigida a Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos casos de alienação ou de oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo. Em que pese a discussão reiteradamente veiculada na mídia acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal proferida no âmbito das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 173/DF e 394/DF, a exibição da Certidão Negativa de Débito continua obrigatória nestas situações, exceto nos casos de transações imobiliárias envolvendo empresa que explore exclusivamente atividade de compra e venda de imóveis, locação, desmembramento ou loteamento de terrenos, incorporação imobiliária ou construção de imóveis destinados à venda, desde que o imóvel objeto da transação esteja contabilmente lançado no ativo circulante e não conste, nem tenha constado, do ativo permanente da empresa. No julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 173/DF e 394/DF o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucionais o artigo 1º, seus incisos I, III e IV, e parágrafos 1º, 2º e 3º, da Lei nº 7.711/88. Note-se que o artigo 47, da Lei nº 8.212/91 (vigente), exige a apresentação de Certidão Negativa de Débitos - CND o que representa a regularidade fiscal do contribuinte admitindo-se, deste modo, também, a Certidão Positiva com Efeitos de Negativa. Já o artigo 1º, da Lei nº. 7.711/88, julgado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, exigia a prova da quitação de créditos tributários exigíveis e, deste modo, não admitia eventuais situações de suspensão da exigibilidade do crédito tributário (artigo 151, do Código Tributário Nacional);
e) Patrocínio de eventos culturais - BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento: o BNDES pode conceder patrocínio a projetos culturais que contribuam para a valorização de sua marca; divulguem sua atuação, produtos e serviços junto a públicos de interesse e potenciais clientes e contribuam para a ação institucional do BNDES no relacionamento com entes públicos e privados visando à consecução de seus objetivos e metas. Dentre os documentos necessários para a contratação, os Projetos Selecionados deverão apresentar, dentre outros documentos, certidões comprobatórias da regularidade fiscal da entidade solicitante no que diz respeito aos débitos relativos aos créditos tributários federais e à dívida ativa da União, o que inclui as contribuições previdenciárias e de terceiros (emitida em conjunto pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional – Fonte: http://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Institucional/Apoio_Financeiro/Patrocinio/Introducao/documentos_necessarios.html); e
f) Opção e manutenção - Simples Nacional: não poderá recolher os impostos e as contribuições na forma do Simples Nacional (Lei nº 123/2006) a microempresa ou a empresa de pequeno porte que possua débito com o Instituto Nacional do Seguro Social - INSS ou com as Fazendas Públicas Federal, Estadual ou Municipal, cuja exigibilidade não esteja suspensa nos termos do artigo 151, do Código Tributário Nacional supracitado.
Aliado ao cenário acima, acrescente-se o fato de que a era digital mudou a forma como as pessoas se relacionam com a informação, inclusive no que tange à regularidade fiscal. Há tempos é possível, ao contribuinte, acompanhar pela internet aquilo que chamamos de “situação fiscal”, especialmente na esfera federal para que, desta forma, possa agir preventivamente de modo a sanar eventuais pendências antes do vencimento da Certidão.
O ideal é que o contribuinte atue preventivamente, tendo em vista que quando não é possível a emissão de Certidão Negativa ou Positiva com Efeitos de Negativa pela internet, uma vez protocolizado o pedindo junto à Receita Federal, o prazo para a análise será de 10 (dez) dias e, em muitos casos, tal situação configura óbice à celebração de negócios, à tomada de empréstimos, bem como à participação em licitações o que, em muitos casos, enseja a impetração de Mandado de Segurança que, apesar de não ter honorários sucumbenciais, tem custas processuais.
Diante deste cenário, resta evidente que a manutenção da regularidade fiscal, com o preventivo se sobrepondo ao repressivo, fomenta as boas práticas de gestão das instituições de ensino.
Dra. Vanessa Ruffa Rodrigues
Gerente Consultoria Tributária/Terceiro Setor da Meira Fernandes. Coordenadora de Atualização Legislativa para Assuntos do Terceiro Setor da OAB/SP. Professora da Escola Superior de Advocacia de São Paulo e da Escola Aberta do Terceiro Setor. Membro do ISTR - International Society for Third Sector Research.
Graduada em Direito pela FMU. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Mackenzie. Extensão em Direito Tributário e Societário pela FGV (GVLaw). Extensão em Tributação do Setor Comercial pela FGV (GVLaw). MBA em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário pela FGV (FGV Management-SP).