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Instituições Educacionais sem Fins Lucrativos

Abr 19, 2016 | Comentários

As boas práticas contábeis com a adoção do padrão internacional de contabilidade (IFRS- International Financial Reporting Standards), pelas entidades sem fins lucrativos, inclusive as educacionais, estão no escopo dos princípios da transparência, da equidade, da prestação de contas (accountability) e da ética que permeiam a Governança Corporativa. 



Governança Corporativa é o conjunto de práticas que tem por finalidade otimizar o desempenho das instituições ao proteger todas as partes interessadas (stakeholders), tais como diretores, doadores, empregados, credores, estudantes e o poder público (primeiro setor) quando são celebradas parcerias com as entidades sem fins lucrativos (Termos de Colaboração, Termos de Fomento ou Acordos de Cooperação) nos termos da Lei 13.019/2014, alterada pela Lei nº 13.204/2015.

No Brasil, as normas internacionais de contabilidade - IFRS - foram implantadas, para as entidades sem fins lucrativos, por meio da Resolução CFC nº 1409/12, de 21 de setembro de 2012 (publicada no Diário Oficial da União de 27 de setembro de 2012), que aprovou a Interpretação Técnica Geral 2002 (ITG 2002).

Aludida norma contábil estabelece critérios e procedimentos específicos de avaliação, de reconhecimento das transações e variações patrimoniais, de estruturação das demonstrações contábeis e das informações mínimas a serem divulgadas em notas explicativas e alcança as entidades sem finalidade de lucro, constituídas sob a natureza jurídica de fundação de direito privado, associação, organização social, organização religiosa, partido político ou entidade sindical.

Em atenta leitura à ITG 2002, verificamos a patente diferença de nomenclatura. Nesse passo não há lucro, prejuízo ou patrimônio líquido como nas empresas em geral que compõem o segundo setor. Há, neste particular, superávit ou déficit e o patrimônio social dentre outras nomenclaturas específicas para as instituições sem fins lucrativos (terceiro setor).

Tecnicamente, se por um lado a adoção do IFRS foi aplaudida por boa parte dos profissionais da área em razão da transparência trazida pela nova norma, inclusive no tocante aos stakeholders, por outro lado, trouxe indubitável insegurança jurídica, tendo em vista que a ITG 2002 entrou em vigor na data de sua publicação (27 de setembro de 2012), aplicando-se aos exercícios iniciados a partir de 1º de janeiro de 2012. 

Aludida norma contábil impõe que:

a) os registros contábeis devem evidenciar as contas de receitas e despesas, com e sem gratuidade, superávit ou déficit, de forma segregada, identificáveis por tipo de atividade, tais como educação, saúde, assistência social e demais atividades;

b) todas as gratuidades praticadas devem ser registradas de forma segregada, destacando aquelas que devem ser utilizadas na prestação de contas nos órgãos governamentais, apresentando dados quantitativos, ou seja, valores dos benefícios, número de atendidos, número de atendimentos, número de bolsistas com valores e percentuais representativos;

c) a instituição deve demonstrar, comparativamente, o custo e o valor reconhecido quando este valor não cobrir os custos dos serviços prestados;

d) as receitas e as despesas devem ser reconhecidas, respeitando-se o regime contábil de competência;

e) as doações e subvenções recebidas para custeio e investimento devem ser reconhecidas no resultado.

Nesse contexto, a adoção da ITG 2002 pelas entidades sem fins lucrativos educacionais é mandatória, desde 2012, inclusive pelo fato de que boa parte das certificações passíveis de concessão a estas entidades (CEBAS – Educação, Imunidade do ISS e do IPTU,  Imunidade do ITCMD, Imunidade do IPVA, Utilidade Pública Estadual e Municipal), bem como a nova lei de parcerias entre o Poder Público e as entidades sem fins lucrativos (nesta Lei denominadas de OSC’s – Organizações da Sociedade Civil), Lei 13.019/2014, exigem tal prática.

Sob outro aspecto, todo e qualquer contribuinte está sujeito, nos termos do Código Tributário Nacional, ao cumprimento de duas espécies de obrigações tributárias: as obrigações principais (pagamento do tributo) e as obrigações acessórias (entrega de declarações, emissão de Notas Fiscais, dentre outras).

As obrigações acessórias, nos termos do artigo 113, parágrafos 2º e 3º, do Código Tributário Nacional, são deveres instrumentais (entrega de declarações) que existem independentemente do surgimento da obrigação tributária principal (exigência de pagamento do tributo), as quais, uma vez descumpridas, convertem-se em obrigação principal relativamente à penalidade pecuniária (aplicação de multa pelo descumprimento). 

Vale dizer, ainda que determinada instituição educacional sem fins lucrativos esteja imune no que concerne à obrigação principal (pagamento do tributo), está obrigada à entrega de Declarações ao Fisco e, em muitos Municípios, à emissão de Notas Fiscais.

Nesse particular, especificamente no Município de São Paulo, desde 01/07/2009, as entidades imunes (a que se referem o inciso VI, do artigo 150, da Constituição Federal) devem emitir Nota Fiscal de Serviços Não-tributados ou Isentos (série C) ou Nota Fiscal Eletrônica de Serviços (NF-e) nos termos do Decreto 50.896/2009, com o objetivo de registrar as operações relativas à prestação de serviços (conforme o artigo 1º da Instrução Normativa SF/Surem 08/2009). Note-se que, no Município de São Paulo, a emissão da Nota Fiscal é obrigatória.

No âmbito Federal, há rol taxativo de obrigações acessórias que devem ser cumpridas pelas entidades sem fins lucrativos, tais como:

  • DCTF - Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais: A DCTF deverá ser apresentada, mensalmente, até o 15º (décimo quinto) dia útil do 2º (segundo) mês subsequente ao de ocorrência dos fatos geradores de forma centralizada pela matriz. Deverão ser declarados, em DCTF, todos os impostos e as contribuições atinentes à atividade da pessoa jurídica. A pessoa jurídica que deixar de apresentar a DCTF no prazo fixado ou que a apresentar com incorreções ou omissões será intimada a apresentar declaração original, no caso de não apresentação, ou a prestar esclarecimentos, nos demais casos, no prazo estipulado pela Receita Federal do Brasil e ficará sujeita às seguintes multas: a) de 2% ao mês-calendário ou fração, incidente sobre o montante dos impostos e contribuições informados na DCTF, ainda que integralmente pago, no caso de falta de entrega da declaração ou a sua entrega depois do prazo, limitada a 20% e b) R$ 20,00 (vinte reais) para cada grupo de 10 (dez) informações incorretas ou omitidas. A multa poderá ser reduzida em: a) 50%, quando a declaração for apresentada depois do prazo, mas antes de qualquer procedimento de ofício ou b) 25%, se houver a apresentação da declaração no prazo fixado na intimação. A multa mínima a ser aplicada será de: a) R$ 200,00 (duzentos reais), tratando-se de pessoa jurídica inativa (considera-se pessoa jurídica inativa, para fins da DCTF, aquela que não tenha efetuado qualquer atividade operacional, não operacional, patrimonial ou financeira, inclusive aplicação no mercado financeiro ou de capitais, durante todo o mês-calendário e b) R$ 500,00 (quinhentos reais), tratando-se de pessoa jurídica ativa.
     
  • EFD – Contribuições (Escrituração Fiscal Digital das Contribuições Sociais): Escrituração Fiscal Digital da Contribuição para o PIS/Pasep, da COFINS e da Contribuição Previdenciária sobre a Receita. A EFD-Contribuições será transmitida mensalmente até o 10º (décimo) dia útil do 2º (segundo) mês subsequente ao que se refira a escrituração. Estão dispensadas de apresentação da EFD-Contribuições, dentre outras pessoas jurídicas, as pessoas jurídicas imunes e isentas do IRPJ, cuja soma dos valores mensais das contribuições apuradas, objeto de escrituração seja igual ou inferior a R$ 10.000,00 (dez mil reais). As pessoas jurídicas imunes ou isentas do IRPJ ficarão obrigadas à apresentação da EFD-Contribuições a partir do mês em que o limite de R$ 10.000,00 (dez mil reais) for ultrapassado, permanecendo sujeitas a essa obrigação em relação ao restante dos meses do ano-calendário em curso. A não apresentação da EFD-Contribuições no prazo ou a sua apresentação com incorreções ou omissões, acarretará a aplicação das multas previstas no artigo 57, da Medida Provisória nº 2.158-35/2001.
     
  • ECF – Escrituração Contábil Fiscal: A partir do ano-calendário 2015, todas pessoas jurídicas imunes ou isentas estão obrigadas a entregar a ECF que substituiu a DIPJ – Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica. O prazo de entrega da ECF será o último dia útil do mês de junho no ano-calendário subsequente ao da escrituração. A não apresentação da ECF no prazo ou a sua apresentação com incorreções ou omissões, acarretará a aplicação das multas previstas no artigo 57, da Medida Provisória nº 2.158-35/2001.
     
  • DIRF - Declaração do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte: Estiveram obrigadas a apresentar a DIRF, em 2016 (prazo 29/02/2016), estabelecimentos matrizes de pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no Brasil, inclusive as imunes ou as isentas que pagaram ou creditaram rendimentos sobre os quais tenha incidido retenção do Imposto sobre a Renda Retido na Fonte (IRRF), ainda que em um único mês do ano-calendário. A não apresentação da DIRF no prazo ou a sua apresentação com incorreções ou omissões, acarretou a aplicação de multa.
     
  • eSocial a partir de 2017: O eSocial é um projeto do governo federal que unificará o envio de informações pelo empregador, com ou sem fins lucrativos, em relação aos seus empregados. Tais informações serão inerentes à Caixa Econômica Federal, ao Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, ao Ministério da Previdência – MPS, ao Ministério do Trabalho e Emprego – MTE e à Secretaria da Receita Federal do Brasil – RFB.

Através dos dados oriundos de Declarações, bem como das informações provenientes de Notas Fiscais Eletrônicas, de Cartórios de Registro de Imóveis, de Instituições Financeiras (e-financeira) e de Detrans de todo país, o Fisco realiza o chamado cruzamento eletrônico, com a finalidade de detectar informações inconsistentes, erros ou omissões. 

Aludido cruzamento de informações, pelos órgãos públicos, está albergado pelo artigo 37, inciso XXII, da Constituição Federal (introduzido pela Emenda Constitucional nº 42 de 19/12/2003) que prevê que as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio.

De igual sorte, insta trazer à tona o fato de que não bastasse o risco de aplicação de multa, da lavratura de Auto de Infração, em última instância, do ajuizamento de Execução Fiscal, o descumprimento de obrigações acessórias (declarações) impacta, ainda, a emissão de Certidão de Regularidade Fiscal (Certidão Negativa de Débito ou Certidão Positiva com Efeito de Negativa) e, consequentemente, a renovação de Certificações do Terceiro Setor como, por exemplo, o CEBAS Educação – Certificado de Entidade Beneficente e de Assistência Social, concedido pelo Ministério da Educação (desde que cumpridos os requisitos quantitativos e qualitativos das Leis nº 12.101/2009 e 12.868/2013) que chancela a imunidade das contribuições previdenciárias.

O cenário acima (contabilidade e obrigações acessórias) faz com que reste cristalino o fato de que não estar obrigada ao recolhimento de tributos por conta da imunidade constitucional (artigos 150, VI, “c” e 195, parágrafo 7º), não exime a entidade da entrega de Declarações ao Fisco e à escrituração contábil nos termos nas Normas Internacionais de Contabilidade.

Tal raciocínio foi chancelado pala corte máxima brasileira que tem competência para julgar assuntos de cunho constitucional, o STF- Supremo Tribunal Federal, no acórdão oriundo do Recurso Extraordinário 250.844.

Aludido Recurso Extraordinário foi interposto por instituição educacional privada sem fins lucrativos, contra acórdão oriundo do Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo que, por seu turno, ao confirmar a sentença de primeiro grau, assentou que mesmo entidades imunes à incidência tributária devem cumprir as obrigações fiscais acessórias, não obstante desoneradas do gravame principal (pagamento dos tributos).

Nesse particular, como exemplo, citamos as entidades com pedido de imunidade de ISS- Imposto sobre Serviços e de IPTU – Imposto Predial e Territorial Urbano deferido pela Prefeitura de São Paulo, pedido este que, desde 2015, é transmitido eletronicamente via SDI – Sistema de Declarações de Imunidades e as respectivas decisões enviadas via DEC – Domicílio Eletrônico do Contribuinte.

De acordo com o entendimento do Supremo Tribunal Federal, embora a entidade seja imune, atua no mercado mediante prestação de serviços a terceiros. Nesse cenário, portanto, é do interesse da Administração Tributária (municipal, estadual e federal) ter informações acerca de quais são os serviços prestados, quem são os sujeitos contratantes e qual o preço desses serviços. Isso porque, a despeito de a prestação em si do serviço não dar ensejo à tributação, constitui fato econômico relevante para apuração de tributos eventualmente devidos pelos sujeitos que tomam esses mesmos serviços.

Deste modo, resta evidente que as obrigações acessórias (entrega de declarações e a emissão de Notas Fiscais) e a escrituração contábil são autônomas em relação à imunidade, sendo certo que o precedente judicial acima citado é relevante e poderá ser utilizado pelo Fisco. 

Por Dra. Vanessa Ruffa Rodrigues 
 
Advogada tributarista da Meira Fernandes, com experiência de 15 anos em Contencioso/Consultivo Tributário em instituições financeiras e no Terceiro Setor. Coordenadora de Atualização Legislativa para Assuntos do Terceiro Setor da OAB/SP. Professora da Escola Superior de Advocacia de São Paulo e da Escola Aberta do Terceiro Setor. Membro do ISTR - International Society for Third Sector Research.

Graduada em Direito pela FMU. Especialista em Direito Tributário pela Universidade Mackenzie. Extensão em Direito Tributário e Societário pela FGV (GVLaw). Extensão em Tributação do Setor Comercial pela FGV (GVLaw). MBA em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário pela FGV (FGV Management-SP).
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