Mar 01, 2022 | Comentários
Que atire a primeira pedra quem nunca cometeu um erro. Se máquinas são falíveis imagine nós: pobres seres humanos, de carne e osso, sujeitos aos altos, baixos e às intempéries da vida terrena.
Contudo, em que pese a realidade do cenário acima, o Fisco não perdoa equívocos, sejam eles de origem humana ou mecânica. Este sujeito abstrato, chamado carinhosamente de “Leão” é implacável assim como um guepardo que persegue, de forma voraz e incansável, sua presa.
Devo concordar com o leitor, deste comezinho artigo, que minha mente faz analogias, translações e trabalha com metáforas, mas, assim o faço, porque o tema tributário é demasiadamente complexo, além de odiado por muitos e amado por poucos. Assim, sigo nesta toada para que a leitura seja menos entediante, de modo a não perder meus queridos leitores para o WhatsApp, o Instagram ou para aquela série bem produzida da Netflix. Tenho consciência de que esta concorrência é desleal, mas sigo firme, feito uma rocha, com meu propósito de disseminar conhecimento na área tributária.
Pois bem, sem mais delongas, a Regularidade Fiscal continua sendo um dos maiores desafios para a sustentabilidade das atividades das pessoas jurídicas, sejam elas com fins lucrativos (Sociedades Limitadas ou Anônimas, por exemplo) ou sem fins lucrativos (Associações, Fundações e Entidades Religiosas).
E um erro, por mais banal que possa parecer (erro de preenchimento de DARF, recolhimento a menor, não transmissão de obrigações acessórias ou transmissão fora do prazo, etc.), poderá acarretar na ausência de Regularidade Fiscal e, portanto, em impacto nas operações da instituição.
Vejamos algumas questões práticas que permeiam a Regularidade Fiscal.
1) Na prática, o que significa ter Regularidade Fiscal?
De acordo com o Código Tributário Nacional, a Certidão Negativa de Débitos (apelidada de CND) é o documento emitido pela Administração Tributária hábil a comprovar a inexistência de débitos perante o Fisco. Documento semelhante e portador dos mesmos efeitos da Certidão Negativa de Débito, é a Certidão Positiva com Efeitos de Negativa (apelidada de CPEN) que é o documento no qual a Administração Tributária certifica que existem débitos pendentes de quitação, mas que estão com sua exigibilidade suspensa nos moldes de uma das 6 (seis) hipóteses legais previstas no artigo 151, do Código Tributário Nacional, quais sejam: moratória; o depósito do seu montante integral; as reclamações e os recursos, nos termos das leis reguladoras do processo tributário administrativo; a concessão de medida liminar em Mandado de Segurança; a concessão de medida liminar ou de tutela antecipada, em outras espécies de Ação Judicial; e o Parcelamento.
Nestas hipóteses de CPEN, costumo contextualizar didaticamente, aos meus alunos, que o débito “dorme” enquanto ativas uma das causas suspensivas supramencionadas. O débito “morre” apenas com a quitação do crédito tributário, quando, então, é emitida a CND.
Note-se que o gênero “Certidão Fiscal” comporta 3 (três) espécies, quais sejam, Certidão Positiva de Débitos, Certidão Negativa de Débitos e Certidão Positiva com Efeitos de Negativa, sendo certo que para fins de regularidade fiscal são aceitas, tão somente, as duas últimas espécies, nos ditames dos artigos 205 e 206 do Código Tributário Nacional.
As Certidões em comento são emitidas pelas 3 (três) esferas de governo (federal, estadual e municipal) e têm validade específica de acordo com o órgão emissor. A título de exemplo, a prova de regularidade fiscal no âmbito federal é efetuada mediante a apresentação de certidão expedida conjuntamente pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) denominada CERTIDÃO NEGATIVA DE DÉBITOS RELATIVOS AOS TRIBUTOS FEDERAIS E À DÍVIDA ATIVA DA UNIÃO e tem validade de 180 (cento e oitenta) dias, a partir da data de emissão.
2) O que pode ser óbice à emissão da Certidão Negativa de Débitos ou da Certidão Positiva com Efeitos de Negativa?
O não pagamento de tributos, o pagamento a menor, o pagamento a destempo sem multa e juros, o não cumprimento de obrigações acessórias ou a transmissão destas após o prazo legal (declarações como o ECD - Escrituração Contábil Digital, ECF - Escrituração Contábil Fiscal, emissão de Notas Fiscais, etc).
Este cenário impõe a existência de contabilidade e de área fiscal eficientes e transparentes concatenadas com os controles internos da pessoa jurídica que, por seu turno, são procedimentos cujos objetivos são: proteger os ativos, produzir dados contábeis confiáveis e auxiliar na condução ordenada dos negócios da pessoa jurídica. Em outras palavras, de nada adianta um exímio trabalho contábil e fiscal se os controles internos, da pessoa jurídica, são falhos, uma vez que estes, no final das contas, não traduzirão da realidade.
3) Quais operações, atualmente, exigem regularidade fiscal para as pessoas jurídicas
Abaixo elencaremos algumas situações que são impactadas ou obstadas pela ausência de regularidade fiscal:
a) Organizações da Sociedade Civil: (OSC’s – Associações, Fundações, Organizações Religiosas e as Sociedades Cooperativas previstas na Lei no 9.867/99): nos termos do Decreto nº 8.726/2016 que regulamentou a Lei nº 13.019/2014, as OSC’s selecionadas para a celebração de Parcerias com o Poder Público (Termo de Colaboração, Termo de Fomento ou Acordo de Cooperação) deverão apresentar, antes da celebração do respectivo Termo, diversos documentos e, dentre eles, a Certidão de Débitos Relativos a Créditos Tributários Federais e à Dívida Ativa da União;
b) CEBAS - Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social: é a certificação opcional para as entidades sem fins lucrativos das áreas de Educação (Ministério da Educação), de Saúde (Ministério da Saúde) e de Assistência Social (Ministério da Cidadania). A recente Lei Complementar nº 187/2021, publicada em 17/12/2021, que revogou a Lei Ordinária nº 12.101/2009, manteve como requisito, para fins de fruição da imunidade das contribuições sociais, a existência de Certidão Negativa ou Certidão Positiva com efeito de Negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, ou seja, CND ou CNPEN Federal.
c) Habilitação em licitações: a nova Lei de Licitações, qual seja, Lei nº 14.133/2021 prevê que as habilitações fiscal, social e trabalhista serão aferidas mediante a verificação de requisitos e, dentre eles, a regularidade perante a Fazenda federal, estadual e/ou municipal do domicílio ou sede do licitante, ou outra equivalente, na forma da lei;
d) Operações com Imóveis: nos termos do artigo 47, da Lei nº 8.212/91 (que dispõe sobre a organização da Seguridade Social), para pessoas jurídicas, é exigida a Certidão Negativa de Débito-CND, fornecida pelo órgão competente, nos casos de alienação ou de oneração, a qualquer título, de bem imóvel ou direito a ele relativo.
e) Patrocínio de eventos culturais - BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento: o BNDES pode conceder patrocínio a projetos culturais que contribuam para a valorização de sua marca; divulguem sua atuação, produtos e serviços junto a públicos de interesse e potenciais clientes e contribuam para a ação institucional do BNDES no relacionamento com entes públicos e privados visando à consecução de seus objetivos e metas. Dentre os documentos necessários para a contratação, os Projetos Selecionados deverão apresentar, dentre outros documentos, certidões comprobatórias da regularidade fiscal da entidade solicitante no que diz respeito aos débitos relativos aos créditos tributários federais e à dívida ativa da União, o que inclui as contribuições previdenciárias e de terceiros (emitida em conjunto pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional).
Aliado ao cenário acima, acrescente-se o fato de que a era digital mudou a forma como as pessoas se relacionam com a informação, inclusive no que tange à regularidade fiscal. Há tempos é possível, ao contribuinte, acompanhar pela internet aquilo que chamamos de “situação fiscal”, especialmente na esfera federal para que, desta forma, possa agir preventivamente de modo a sanar eventuais pendências antes do vencimento da Certidão.
O ideal é que o contribuinte atue preventivamente, tendo em vista que quando não é possível a emissão de Certidão Negativa ou Positiva com Efeitos de Negativa pela internet, uma vez protocolizado o pedindo junto à Receita Federal, o prazo para a análise será de 10 (dez) dias e, em muitos casos, tal situação configura óbice à celebração de negócios, à tomada de empréstimos, bem como à participação em licitações o que, em muitos casos, enseja a impetração de Mandado de Segurança que, apesar de não ter honorários sucumbenciais, tem custas processuais.
Diante deste cenário, resta evidente que a manutenção da Regularidade Fiscal fomenta as boas práticas de gestão das instituições de ensino.
Dra. Vanessa Ruffa Rodrigues
Gerente da Consultoria Tributária/Terceiro Setor na Meira Fernandes Contabilidade Educacional. Docente na Escola Superior de Advocacia de São Paulo (ESA-SP), na Escola Aberta do Terceiro Setor a na SGP – Soluções em Gestão Pública. Vice-Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB de Pinheiros/SP. Membro Efetivo da Comissão de Contencioso Tributário da OAB/SP. Palestrante na OAB/SP, na OAB/PA e na ALESP (ILP). Coordenadora de Atualização Legislativa da Comissão de Direito do Terceiro setor da OAB/SP (2013 - 2018). Graduada em Direito (FMU). Especialista em Direito Tributário (Mackenzie). Extensão em Direito Tributário e Societário (FGV). Extensão em Tributação do Setor Comercial (FGV). MBA em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário (FGV). Compliance Digital (Mackenzie). Relatora da 3ª Câmara de Benefícios da CAASP.