Ago 09, 2021 | Comentários
Em meio a pandemia e o novo formato em que as escolas precisaram se adequar para seguirem com as modalidades de ensino, volta-se a discutir um assunto que ainda parece não estar perto de uma resolução: a tributação da mercadoria digital.
Com o bloqueio de atividades presenciais e o isolamento social desde março de 2020, temos vivido praticamente uma vida online, sendo a internet, o principal meio de negociações, compras e “lazer” – se assim podemos chamar.
Não é de hoje que ouvimos falar na necessidade de uma reforma tributária e isso muito que ajudaria no tema em questão, visto que, muito das discussões são pautadas em lacunas existentes na nossa legislação, que assim como, dá margem aos contribuintes de interpretações benéficas aos mesmos, em uma via de mão dupla, também gera interpretações pró-fisco pelos agentes fiscais, que por conflitos de interesses, muitas vezes acabam levando os temas a uma discussão fora do ambiente administrativo.
A exemplo, temos uma discussão exaustivamente repercutida desde março de 2017 a respeito da tributação ou não do ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) para os livros digitais. Isso porquê em seu artigo 150, inciso VI, alínea “d” a Constituição Federal do Brasil define ao livro - bem como todo a cadeia de operações com o papel que era destinado à sua impressão - uma imunidade objetiva (diretamente ao produto em si), o que para os e-books, pela redação literal do texto de 1988 não caberia tal previsão.
O tema, como era de se esperar, chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal), que na ocasião, entendeu que essa imunidade não só deve abranger os livros eletrônicos, como também os suportes para leitura e armazenamento, também conhecido no mercado como kindle. Como toda a cadeia legislativa no Brasil é de vagaroso avanço, somente em abril de 2020 (3 anos após a repercussão do tema) o STF aprovou uma Súmula Vinculante – que é uma uniformização da jurisprudência que possui força normativa – onde garantiu de fato que extensão da imunidade tratada na constituição federal seja também estendida aos livros digitais.
Pois bem, se para os e-books houve um desfecho sobre a imunidade, o que por si só já dispensa o interesse arrecadatório do fisco pelo bloqueio constitucional direto, o mesmo não ocorre para as demais mercadorias digitais. Isso porquê, dessa vez a discussão volta a ser centro dos esforços, não voltada a pauta de haver ou não tributação, mas no sentido de saber qual será a sua tributação?
No Brasil, a estrutura de repartições arrecadatórias garante aos Municípios o direito a cobrança do ISS (Imposto sobre serviços) e aos Estados o direito a cobrança do ICMS (Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços). Se muitas vezes o próprio texto legal já é demasiadamente confuso para o contribuinte, o que você acha que acontece quando a própria descrição do imposto possui a “mesma origem”? Isso mesmo, discussão! Pois, embora os dois tributos mencionados possuam previsão de arrecadação sobre serviços, a tempos a discussão vem caminhando para tornar claro a aplicação de um ou outro, já que a bitributação é expressamente ilegal.
No Início deste ano por exemplo, o STF renovou o seu posicionamento sobre a tributação dos softwares. Essa discussão não era nova, mas tomou ainda mais fôlego também em meados de 2017 quando o CONFAZ (Conselho Nacional de Política da Fazenda) publicou o Convênio nº 106 daquele mesmo ano. A publicação tinha como objetivo disciplinar os procedimentos de cobrança do ICMS incidente nas operações com bens e mercadorias digitais comercializadas por meio de transferência eletrônica de dados, e em seu primeiro parágrafo classificou os softwares como uma mercadoria digital, e essa atitude por parte do Fisco Estadual, se deve ao fato de que, um dos aspectos para consideramos a tributação do ICMS de fato, é a transferência de propriedade, o que no tocante aos softwares, no início da era digital ocorria com a aquisição dos mesmos via CD-ROOM.
No entanto, essa prática já não é mais comum, e hoje, grande parcela de todas as aquisições de software são através de licenças para uso temporário e em ambiente online, o que desclassifica o conceito de mercadoria tributável ao ICMS (mesmo que tratado de software distribuído em grande escala) e a passe a considerar o conceito de prestação de serviços tributável ao ISS, pois de fato, não há transmissão de propriedade, e que foi confirmado pela decisão do Supremo Tribunal Federal.
Esta decisão, trouxe também outras definições importantes que podem ser aplicadas também ao cenário educacional, por exemplo, visto que a aquisição de cursos via modalidade EAD (Ensino a Distância), muito embora não classificadas como software, também seguiram a mesma migração de mercado, de disponibilização via antigos CD-ROOM’S para a disponibilização via plataformas digitais, o que os encaixa assim na mesma premissa de cessão de direito ao uso.
Sobre isso, podemos citar também inclusive, o esclarecimento dado pela Secretária da Fazenda do Estado de São Paulo, que pronunciou seu entendimento do assunto através da Resposta à Consulta Tributária Nº 22266 de 2021, que dentre outras explicações esclarece:
“Não incide o ICMS na transmissão de videoaulas ao vivo, nas quais não haja cessão definitiva dos arquivos de vídeo aos consumidores (...) a disponibilização, sem cessão definitiva, de conteúdos de áudio, vídeo, imagem e texto por meio da internet está sujeita ao ISS ”
Ou seja, os cursos online somente serão classificados como mercadoria digital se a sua disponibilização estiver vinculada a sua transmissão de direito (download).
Assim, pode-se dizer então que as decisões do STF sobre este tema, tem se mostrado favoráveis aos contribuintes, visto que, o ISS tende a representar carga tributária inferior se comparado ao ICMS, mas também pode-se dizer que a migração para o digital enquanto não abordada de forma ampla e incisiva numa legislação tributária que tratará especificamente do tema, será sempre pauta de discussão e pronunciamentos de entendimento, tendo em vista que tal qual a sociedade, o mercado e as formas de fazer negócios se modernizam, tal qual serão os esforços do fisco para acompanha-las.
Paulo Roberto Leite Dantas Júnior
Supervisor Fiscal na Meira Fernandes. Contador com 10 anos de experiência na área tributária, Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade São Judas Tadeu, com especializações em Business Process Management (BPM) e Gerência de Projetos ambos pela Fundação Bradesco.