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Setor Educacional e o Direito Tributário: sua Escola é o resultado de suas escolhas

Dez 09, 2020 | Comentários

“(...) à educação é delegada a função de homologar classes e grupos sociais, de recuperar todos os cidadãos para a produtividade social, de construir em cada homem a consciência do cidadão, de promover uma emancipação (sobretudo intelectual) que tende a tornar-se universal (libertando os homens de preconceitos, tradições acríticas, fés impostas, crenças irracionais). A educação se torna cada vez mais nitidamente uma (ou a?) chave mestra da vida social, enquanto constitui o elemento que a consolida como tal e manifesta seus mais autênticos objetivos: dar vida a um sujeito humano socializado e civilizado, ativo e responsável, habitante da ‘cidade’ e capaz de assimilar e também renovar as leis do Estado que manifestam o conteúdo ético da sua vida de homem cidadão.” (1)

As assertivas acima, do Professor Franco Cambi, bem demonstram a relevância da educação na vida do ser humano.

Com efeito, no Brasil, a Constituição Federal de 1988 que é lei fundamental a partir da qual as demais derivam sua validade trouxe, em seu bojo, a educação como direito social em seus artigos 6º e 205: (2)

Nesse sentido temos os ensinamentos do Professor José Afonso da Silva: (3)

“(...) A norma, assim explicitada – “A educação, direito de todos e dever do Estado e da Família (...).” (arts. 205 e 227)-, significa, em primeiro lugar, que o estado tem que aparelhar-se para fornecer, a todos, os serviços educacionais, isto é, oferecer ensino, de acordo com os princípios estatuídos na Constituição (art. 206); que ele tem que ampliar cada vez mais as possibilidades de que todos venham a exercer igualmente esse direito; e, sem segundo lugar, que todas as normas da Constituição, sobre educação e ensino, hão que ser interpretadas em função daquela declaração e no sentido de sua plena e efetiva realização.”

A realidade, contudo, é diversa daquela imposta pelo constituinte. Isso porque o país não consegue cumprir a determinação constitucional de prover ensino digno, seja pelo fato de que a demanda é maior que o número de escolas, seja pela baixa qualidade do ensino público nos anos de base.

Tanto assim que os dados oriundos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) 2019, do IBGE (4) , dão conta de que das 50 milhões de pessoas de 14 a 29 anos do país, 20,2% (ou 10,1 milhões) não completaram alguma das etapas da educação básica, seja por terem abandonado a escola, seja por nunca a terem frequentado. Os resultados mostraram ainda que a passagem do ensino fundamental para o médio acentua o abandono escolar, uma vez que aos 15 anos o percentual de jovens quase dobra em relação à faixa etária anterior, passando de 8,1%, aos 14 anos, para 14,1%, aos 15 anos. Os maiores percentuais, porém, se deram a partir dos 16 anos, chegando a 18,0% aos 19 anos ou mais.

É neste contexto que, há muito tempo em nossa sociedade, há a figura das instituições particulares de ensino cuja função social é inegável ao passo em que exercem atividade originariamente atribuída ao Poder Público.

Contudo, em que pese sua indubitável importância, tal atividade é alvo de algo que desde os primórdios aflige os contribuintes: a ânsia arrecadatória do Fisco em suas três esferas (Federal, Estadual e Municipal). Note-se que a carga tributária brasileira, como é de conhecimento geral, é uma das mais elevadas do mundo.

E, é neste verdadeiro “Carnaval Tributário” (5) que aludidas instituições estão inseridas. Entretanto, a grande vantagem do ensino privado é a possibilidade de escolha, amparada no Princípio da Livre Iniciativa Privada previsto no artigo 170, parágrafo único da Constituição Federal, no que tange: à roupagem jurídica (sociedades, associações, fundações, etc.), aos níveis de ensino e ao regime tributário. 

Com a possibilidade de escolha, consequentemente, a concorrência entre as escolas, vem à tona como fator relevante. Daí a importância do binômio “capacidade - oportunidade”, ou seja, a capacidade de gerenciar de forma estratégica sem perder de vista as oportunidades. 

Em decorrência disso, portanto, é salutar tanto quanto a questão societária acima mencionada, quanto a escolha do regime tributário (Lucro Real, Lucro Presumido ou Simples Nacional) no início do ano.

Ato contínuo, após a escolha do regime tributário, é importante ter em mente a importância do preventivo (correto atendimento à Fiscalização, entrega de declarações a tempo e modo, bem como o correto preenchimento e recolhimento de guias) sobre o repressivo. 

Qual seria, então, a acepção do vocábulo “repressivo” neste cenário? Sem dúvida, mitigar riscos e evitar a lavratura de Autos de Infração (esfera administrativa) e, principalmente, o ajuizamento de Ações Judiciais de iniciativa do Fisco (Execução Fiscal – Lei nº 6.830/80 e Medida Cautelar Fiscal- Lei 8.397/92). 

Note-se que, na esfera judicial, há uma série de desdobramentos indubitavelmente desgastantes para o contribuinte, dentre os quais destacamos: 

  1. o risco, ou seja, há de haver compatibilização entre os fatos, o direito, as provas, vale dizer, a tese de defesa com as recentes decisões  e “leading cases” do STJ- Superior Tribunal de Justiça (a quem cabe apreciar, em última instância, questões de ordem infraconstitucional) e do STF – Supremo Tribunal Federal (a quem cabe apreciar, em última instância, questões de cunho constitucional). Em linhas gerais, portanto, deve ser analisada de forma cautelosa o que gerou a cobrança por parte do Fisco, se há documentos hábeis a fundamentar a defesa e o período (eventual decadência ou prescrição);

  2. aliado ao risco, devemos nos atentar para ponto crucial de ordem contábil e fiscal: as provisões. Conforme o disposto na CPC 25 (6), que versa sobre Provisões, Passivos Contingentes e Ativos Contingentes, nas demandas onde é provável que será necessária saída de recursos é obrigatória a constituição de provisão. A provisão, por seu turno, é despesa indedutível da base do lucro real e, portanto, será considerada como adição;

  3. a questão temporal, ou seja, a morosidade do Poder Judiciário;

  4. especificamente nas Execuções Fiscais, necessidade de apresentação de garantia como requisito para a oposição de Embargos à Execução Fiscal (que em razão das recentes alterações do Código de Processo Civil, não são recebidos automaticamente com efeito suspensivo). Especificamente neste tópico, não raro, os contribuintes têm sido surpreendidos com penhoras online (bloqueio em conta corrente/aplicações); e

  5. o custo, ou seja, há o ônus das custas processuais, da necessidade de contratação de Advogado, bem como do pagamento de sucumbência.

Diante destas considerações é evidente que o preventivo, principalmente na era digital em que vivemos onde há o cruzamento de informações entre os entes tributantes, se revela menos oneroso e evita surpresas para o administrador escolar.

E, nunca podemos esquecer: o cenário tributário é mutante, até porque a operação das escolas não é estática (especialmente em tempos de pandemia) e, portanto, sempre passível de novas escolhas, ou seja, de alterações de rota. Aqui, como em todos os setores da vida, a zona de conforto nunca será o terreno mais fértil.

Dra. Vanessa Ruffa Rodrigues

Gerente da Consultoria Tributária/Terceiro Setor na Meira Fernandes Contabilidade Educacional. Docente na Escola Superior de Advocacia de São Paulo (ESA-SP), na Escola Aberta do Terceiro Setor a na SGP – Soluções em Gestão Pública. Vice-Presidente da Comissão de Direito do Terceiro Setor da OAB de Pinheiros/SP. Palestrante na OAB/SP, na OAB/PA e na ALESP (ILP). Coordenadora de Atualização Legislativa da Comissão de Direito do Terceiro setor da OAB/SP (2013 - 2018). Graduada em Direito (FMU). Especialista em Direito Tributário (Mackenzie). Extensão em Direito Tributário e Societário (FGV). Extensão em Tributação do Setor Comercial (FGV). MBA em Gestão de Tributos e Planejamento Tributário (FGV). Compliance Digital (Mackenzie).

(1) CAMBI, Franco. A história da pedagogia. Tradução de Álvaro Lorencini. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1999. p. 326.

(2) “Art. 6o São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.” (grifos nossos)

“Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.” (grifos nossos)

(3) SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 1999. p.316.

(4) Fonte: https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-sala-de-imprensa/2013-agencia-de-noticias/releases/28285-pnad-educacao-2019-mais-da-metade-das-pessoas-de-25-anos-ou-mais-nao-completaram-o-ensino-medio 

(5) BECKER, Alfredo Augusto. Carnaval Tributário. São Paulo: Lejus, 2004.

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